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TEMPURA E O KEBABBARO

Numa das salas em que lecionei português por vários anos, havia um pôster com várias frutas. Eu perguntava aos alunos: quem adivinha quais são as frutas brasileiras nessa imagem? Erravam quase tudo: a manga vem da Ásia, a jaca idem, a carambola também. Muitas frutas tropicais conhecidas não são nossas, mas nós levamos a fama. Raramente encontramos no exterior fotos de pitangas, essas, sim, típicas do nosso país. Uma vez comprei uma latinha de castanhas de caju, estava escrito: made in Germany. Sim, as típicas castanhas de caju da Alemanha! Quase tive um chilique. A palavra caju vem do tupi, o cajueiro foi levado para a África e para a Ásia pelos portugueses.

E o tempura, esse prato típico japonês? É outro caso de importação. Alguns exageram, dizem que as frituras chegaram à China graças a Marco Polo, mas ninguém explica porque o nome tempura pegou em japonês. Portanto, fico com a tese mais recente, segundo a qual o termo vem da expressão "tempore quadragesimae", pois era uma comida para o tempo da Quaresma. A iguaria teria sido, portanto, introduzida no Japão no século XVI, com a chegada dos missionários jesuítas, que evitavam a carne durante a Quaresma e portanto substituíam esse tipo de alimento por verduras e peixes empanados e fritos.
Isso não significa que a China não tenha entrado na história: entrou. Mas nesse caso, ocorreu o contrário: os missionários jesuítas levaram a receita de rolinho-primavera para Portugal, onde foi adaptado ao gosto local. No Brasil, a difusão dos pastéis, nesse caso fritos, deveu-se às imigrações chinesa e japonesa, os primeiros adaptando ao nosso gosto as iguarias da sua culinária, os segundos copiando os primeiros, numa época de grande discriminação em relação ao Japão.

A pimenta calabresa e a batata? Não estariam nos cardápios italianos e alemães, se Colombo não tivesse descoberto a América. A globalização dos alimentos acompanha as migrações humanas. As línguas apenas popularizam o que é mais utilizado, ignorando as geografias e o folclore. Dessa forma, o japonês incorporou o tempura.

E o kebabbaro? Sofre o mesmo processo. A palavra é comum em Roma e isso já se percebe, para quem conhece italiano, na desinência -aro. Os romanos não dizem pizzaiolo, mas pizzettaro; não dizem vendedor de kebab, mas kebabbaro. Ou seja: as línguas adotam, facilitam não apenas a comunicação, mas favorecem a convivência. Nada pode ser tão poderoso quanto incorporar à própria linguagem um termo alheio. Nisso está toda a força e a riqueza dos neologismos.

Os vendedores de kebab são particularmente populares na Alemanha, pois o prato é muito presente na Turquia e os imigrantes turcos são numerosos na Alemanha. Há algumas semanas, ocorreu um fato muito desagradável: o prefeito de uma pequena cidade anunciou que participaria do programa para acolher imigrantes e refugiados, como proposto pela Chanceler. Um cidadão não gostou da decisão e atacou o prefeito com uma faca. Ele estava comendo um kebab e o kebabbaro - um imigrante residente na cidade - foi o primeiro a prestar socorro. Embora casos como esse evidenciem as dificuldades, a discriminação, os temores, as hostilidades, mas também a solidariedade e a convivência, a língua segue o seu curso, enriquecendo o nosso vocabulário e, com muita frequência, também o nosso paladar.

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