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Mostrando postagens de janeiro, 2017

A SALSICHA VEGANA, O QUEIJO SEM LEITE, A LÍNGUA, COITADA

Lancei a pergunta no meu diário em uma rede social: "o que é uma salsicha vegana?" Recebi respostas sérias, irônicas, engraçadas, provocatórias. Uma das melhores respostas foi: é um oxímoro. Genial, porque é uma brincadeira, mas é uma verdade. O nome é realmente um oxímoro do ponto de vista semântico. Trata-se de uma expressão formada por conceitos incompatíveis: se é vegano não pode ser salsicha, se é salsicha não pode ser vegano. Portanto uma salsicha vegana, que incorpora termos excludentes, só pode ser um oxímoro, uma coisa quase poética, mas não é, porque salsicha não é um fogo que arde e não se vê, não é soneto. Salsicha não é uma série de coisas: a gente aprende isso na escola, quando estuda as bases da linguística estruturalista. Salsicha é uma coisa, de modo que exclui todas as outras. Portanto, salsicha não pode ser uma poesia e não pode ser uma abobrinha (outra resposta que evidencia jocosamente a problemática). E salsicha de frango, ainda é salsicha? Salsicha de

ATIRARAM O PAU NA LÍNGUA, MAS O GATO NÃO MORREU

Em inglês, a palavra do ano foi "pós-verdade". Em italiano, a palavra foi "webete" (sem tradução em português), mas sinônimo - talvez com um traço de ironia - de outro neologismo: "troll". Em português já absorvemos esse inglesismo, criando o verbo "trollar", com o famigerado gerúndio "trollando", e o substantivo "trollagem". Um pecado? A consoante L, que não deveria ser dupla. Caso o termo pegue, os dicionários se encarregarão de solucionar o problema. O que pensar desses sinais? São um sintoma de vitalidade da língua. Apenas línguas mortas não estão abertas a neologismos (embora também isso nem sempre seja verdade). Não sei qual foi a palavra do ano em português, mas os números não decepcionam: o Dicionário Priberam publicou um comunicado  no qual informa que em 2016 já foram acrescentados 840 verbetes à publicação eletrônica, explicando também os critérios adotados para a inclusão de uma palavra em vez de outra. De fa

CERVANTES E A MÁQUINA DE FAZER RISADAS

1. Darcy Ribeiro conta em um texto que não consigo encontrar fora da minha memória o seguinte: que certa vez ele se encontrava em uma tribo isolada e que depois de seis meses chegou-lhe uma remessa com várias coisas que havia solicitado para realizar a sua pesquisa. Junto com os pedidos enviaram também um exemplar do Dom Quixote, livro que Darcy Ribeiro adorava. Conta ele que se deitou numa rede, abriu o livro e começou a repassar alguns trechos, dando umas boas gargalhadas. Quando se deu por satisfeito, foi fazer outra coisa. Um índio, que provavelmente nunca tinha visto um livro na sua vida, pegou o Quixote, deitou-se na rede, esfolheou o volume e começou a dar gargalhadas. O livro tinha se transformado nisso: em uma máquina de risadas. Todo livro é um poderoso instrumento de comunicação e no seu interior há um decodificador ao qual é preciso sintonizar para estabelecer o contato. Qualquer instrumento: livro, jornal, TV, internet pode ser uma máquina de risadas, de ódio, de prop