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Mostrando postagens de agosto, 2014

CRENÇAS E DESCRENÇAS

A educação está cheia de histórias de descrenças. Há quem não acredite que o ensino possa ganhar da ignorância. No fundo, acredita mais na ignorância que o aluno traz do que no conhecimento que transmite. E o ensino falha. Quando a gente acredita mais na ignorância, ela toma conta do campinho, assola as estatísticas e reforça a ideia de que ensinar é difícil e aprender é complicado. Todo mundo sai perdendo, mas há quem acredite que isso reforce uma certa aura profissional. Há quem não acredite que os alunos sejam capazes de usar estruturas complexas da língua. São pessoas que ouvem pelas ruas frases como "se Deus quiser" ou "se eu pudesse, minha filha" e acham que esses exemplos de subordinação na boca do povo são mero fruto do acaso. Não acreditam que sejam exemplos de interiorização das estruturas da língua nativa. Os descrentes gastam um enorme tempo tentando explicar as difíceis orações subordinadas aos seus subordinados alunos para demonstrarem a tese das d

"PLAIN LANGUAGE", PARA QUE TE QUERO

Você, leitor, que acha a ortografia do português complicada Você, leitor, que no momento da dúvida, desejou intimamente uma ortografia simples, sem exceções Você, leitor, que nunca nessa vida dura teve oportunidade de descobrir etimologicamente a sua língua Você, leitor, que foi desprezado pelos pedantes e humilhado pelos doutos Você, leitor sensato, que até concorda que não haveria mal em unificar fonética e escrita onde não há controvérsia Você, leitor, que assiste aflito às discussões sobre os acordos da língua e aguarda aflito pelo dia em que terá de escrever com outras regras de novo Você, leitor sofrido, estará perguntando: - "Plain Language"? Era só o que me faltava. Pois é. Eu também não pensava na "Plain Language" há tempos. Foi essa barbaridade de proposta chamada "Simplificando a Ortografia" que me fez lembrar dela. Sim, porque há modos e modos de simplificar a vida da gente. Cito dois parágrafos do texto do projeto "Simplificando

FAZER ACORDO É PRECISO, SIMPLIFICAR NÃO É PRECISO

Talvez nem todos os leitores lembrem, mas eu reconheço: defendi o Acordo Ortográfico de 2008 desde o início. Então, como é que agora eu ataco de forma tão veemente a proposta de simplificação da ortografia? (Notícia, aliás, desmentida pelo Senador, mas para mim a emenda ficou pior que o soneto, a partir do momento em que ele admite que há uma comissão estudando questões referentes ao Acordo). Bem, a questão sobre a qual pouca gente fala, mas muito incide na nossa escrita, é a da história da língua. Se a cultura da descoberta da história da língua e da sua ortografia não chegar pelo menos ao ensino médio, os falantes nunca terão oportunidade formal de entender realmente a ortografia da nossa língua. Vou sintetizar muito, só para dar um gostinho e atiçar a curiosidade (na rede há um monte de informações, desde ensaios acadêmicos até artigos informativos sobre o tema). A história da ortografia da língua portuguesa é dividida em três fases: a da escrita fonética, a da escrita pseudo-e

DEIXEM A LÍNGUA VIVER EM PAZ!

Gente, que mania essa de ficar mudando ortografia por decreto! Não está de bom tamanho a polêmica internacional sobre o novo acordo ortográfico? Até parece que os nossos parlamentares, doutos em linguística e gramática, pegaram o gostinho. Ilustres parlamentares: a gente não mexe em time que está ganhando! Deixem a língua viver em paz! Quando a gente começa a mexer muito, traça um destino: morte ou vida artificial. É assim com todas as línguas que não se desenvolvem espontaneamente. As línguas artificiais, como o esperanto, podem ser apenas língua instrumental, nunca serão língua de identidade cultural. Já as línguas mortas, como o latim, sobrevivem graças ao esqueleto bem conservado, mas não produzem inovação. Língua viva é como a gente: aventura-se, deixa-se influenciar por outras, às vezes se perde, às vezes retoma o seu caminho com elegância. E haja elegância! O nosso falar coloquial está cheio de expressões de ilustre origem, a gente nem se dá conta disso (por conhecer pou

LEVANDO AO PÉ DA LETRA, PAGANDO MICO

Recentemente, li que o espanhol e o português (nessa ordem) são as línguas mais "felizes" do mundo, quer dizer, são aquelas em que há maior número de vocábulos ligados à ideia de felicidade. A pesquisa foi feita por uma universidade americana. Também li nas últimas semanas que entre os indícios que levaram à prisão de manifestantes no Brasil, estavam expressões "bélicas", como "bombar", usadas pelos acusados. Os indícios foram recolhidos por doutos policiais. Gente, nem tanto ao céu, nem tanto à terra! A pior forma de levar uma coisa ao pé da letra é levar uma palavra ao pé da letra! Especialmente em uma língua, como o português, cheia de sentidos figurados, usados o tempo todo na linguagem coloquial, interpretar palavras no sentido literal comporta um sério risco de pagar mico. Seria risível, se não fosse trágico, ver como a língua é mal usada em situações que afetam a vida de todos nós. Isso me faz pensar, por exemplo, nas pesadas críticas feitas a